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Para defensores, acordos com a Braskem em Maceió podem ser revisados

Para os defensores públicos que atuam no caso da tragédia ambiental causada em Maceió por causa da exploração de sal-gema pela Braskem, os acordos ...

20/03/2024 15h36
Por: Redação Fonte: Agência Senado
Ricardo Melro, Diego Alves e os senadores Rodrigo Cunha e Rogério Carvalho, relator da CPI - Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
Ricardo Melro, Diego Alves e os senadores Rodrigo Cunha e Rogério Carvalho, relator da CPI - Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

Para os defensores públicos que atuam no caso da tragédia ambiental causada em Maceió por causa da exploração de sal-gema pela Braskem, os acordos indenizatórios individuais firmados com os moradores atingidos foram “os possíveis” para aquele momento, mas não estão imune de uma reparação posterior. O defensor público da União Diego Bruno Martins Alves e o defensor público do Estado de Alagoas Ricardo Antunes Melro prestaram depoimento nesta quarta-feira (20) à CPI da Braskem.

Na avaliação de senadores do colegiado, relatos dos próprios moradores das regiões desocupadas indicam que o acordo formalizado entre a empresas e as vítimas foi abusivo e injusto.

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O relator, senador Rogério Carvalho (PT-SE), citou depoimentos de moradores com alegações de que a mineradora sugeria acatar o acordo porque, caso não aceitassem, eles “não teriam lugar para morar ou não poderiam acompanhar a alta dos preços, que subiam vertiginosamente por conta do efeito da tragédia”.

Para Rogério, o cenário evidencia que o Brasil está diante de uma agressão social, econômica e psicológica da população.

Na avaliação de Ricardo Melro, grande parte dos vitimizados saiu satisfeita com a indenização em relação ao dano material, que corresponde ao pagamento do valor do imóvel desapropriado para comprar outro. No entanto, ele afirmou que passou a identificar, em 2021, a “face predatória” da Braskem quando a mineradora, segundo ele, começou a praticar uma proposta de “acordo casado” ao propor uma indenização moral tabelada em R$ 40 mil por residência.

— Na prática é uma proposta casada. “Veja só: ou você aceita isso ou não tem acordo nenhum. A gente não faz meio acordo. Aí vocês vão para a Justiça” — exemplificou.

Ele defendeu que nenhum acordo está imune a revisão posterior, visto que, todos eles foram feitos “para um olhar daquele momento”, com a urgência da desapropriação exigida e dentro daquelas possibilidades que se apresentavam. Os defensores começaram a atuar em 2019, a partir do momento em que foi atestada, pelo Serviço Geológico do Brasil (SGB) e pela Defesa Civil nacional, a causa do evento danoso e atribuída a responsabilidade à empresa Braskem.

A partir daquele momento, a Defensoria Pública da União, a Defensora Pública e o Ministério Público de Alagoas e o Ministério Público Federal passaram a atuar numa força tarefa para conseguir, com a urgência que o caso necessitava, algum bloqueio financeiro da empresa e assim conseguir um equilíbrio na negociação de um possível acordo benéfico para as vítimas, com uma desocupação digna.

Até o momento, cerca de 60 mil pessoas tiveram que deixar suas casas às pressas, à medida que o risco de desabamento se espalhava pelos bairros de Pinheiro, Mutange, Bebedouro, Bom Parto e Farol. Proprietários de cerca de 16 mil imóveis, que estão dentro dessa área de risco, firmaram acordo individual para serem atendidos pelo programa de compensação financeira com a Braskem.

Dano moral

Questionado pelo senador Rodrigo Cunha (Podemos-AL) sobre quais fatores foram levados em conta para calcular a indenização por dano moral, Diego Alves esclareceu que, no acordo coletivo, não foram fixados valores a título de dano moral, até por ser um fator individual e subjetivo.

— O que deixamos pactuado é que a indenização precisava ser adequada, precisava ser justa, precisava reparar integralmente as vítimas que foram forçadas a desocupar os imóveis. Então, não houve o aval da DPU nem das demais instituições públicas para fixar um valor de dano moral pelo núcleo familiar e tabelado.

Os senadores foram unânimes em defender a reformulação desses acordos.

As pessoas que saíram têm um dano que vai além do dano social e do dano moral, que é um dano psíquico que é difícil de mensurar e quase impossível de você mitigar, quase impossível. (...) As autoridades que cuidam e que lideram municípios e estado devem observar. Nós podemos ter, em consequência disso, outros efeitos colaterais, como aumento de suicídio, como aumento de depressão, como redução do tempo de vida útil dessas pessoas, em função do sofrimento psíquico que essas pessoas vão sofrer, como dano colateral — ressaltou o relator.

Acordo coletivo

Entre os acordos que precisam ser revisados, Ricardo Melro também citou o valor corresponde à indenização coletiva. Segundo ele, a soma foi de R$ 150 milhões.

— Se o dano material em Maceió já vai, pelo o que vejo na imprensa, em R$ 9 bilhões e ainda pode aumentar, a gente achou que esse valor tem que ser reforçado. E nessa ACP [Ação Civil Pública] a gente pediu esse reforço, para ter como parâmetro o dano material. Além disso, a gente pede uma indenização por dano existencial, por dano por lucro ilícito. Ora, como é que uma empresa faz uma mineração à margem da lei, talvez criminosa, como a PF tem demonstrado, lucra bilhões. Então a gente busca uma tutela equivalente.

O defensor informou que a intenção do DPE é impetrar com uma ação coletiva de revisão dps danos morais para reforçá-los de forma justa.

— O melhor mesmo será tratar de forma coletiva. Porque uma só ação você não consegue reconhecer essa prática ilegal da Braskem, de que ela se utilizou da sua ação dominadora para impor, e obrigá-la a fazer a revisão de todos os valores de forma justa e em breve teremos notícia dessa ação — acrescentou.

Os senadores Rogério Carvalho e Rodrigo Cunha concordaram com a manifestação do defensor. Eles ainda defenderam que os territórios desocupados não permaneçam em posse da mineradora e sejam usados como ativo “decorrente de uma ilicitude”.

Para eles, é preciso garantir que as indenizações assegurem a revitalização dessas regiões e que os benefícios se voltem para a população, como sugere a ação civil pública proposta pela DPE.

Populações ilhadas

Rogério Carvalho quis saber dos depoentes sobre as ações em relação aos bairros de Flexal e Bebedouro. As localidades, próximas aos bairros desapropriados, ficaram ilhadas e estão sofrendo há três anos com a falta de serviços essenciais, como escolas e postos de saúde. A população dessas regiões também pede realocação.

Com a ampliação do mapa de risco, novos imóveis foram inseridos na área de risco e de monitoramento. São cerca de 1,2 mil lotes que abrangem o Bairro do Bom Parto e as regiões da Vila Saem, de Marquês de Abrantes e do Farol.

Os órgãos técnicos da defesa civil nacional e do Serviço Geológico do Brasil (SGB), conforme Diego Alves, indicaram que a região do Flexal, por exemplo, não sofre de subsistência decorrente da mineração da Braskem.

Nesse sentido, os Ministérios Públicos Federal e Estadual celebraram um acordo com a mineradora de revitalização da região com a devolução de prédios e de serviços públicos essenciais que foram desocupados nos bairros vizinhos, afetando a vida a população de Flexal. No acordo, conforme Diego Alves, foram listadas 23 medidas para reduzir o ilhamento da região. Além disso, está prevista uma compensação indenizatória por esse ilhamento.

— A Defensoria Pública da União, o Ministério Público Federal, o Ministério Público Estadual entenderam que não seria viável juridicamente impor, por meio da Justiça, a obrigação da Braskem de realocar aquelas pessoas. Não poderia ser adotado, isso juridicamente, o mesmo remédio jurídico previsto para a área de risco para uma área que, em tese, não tem risco.

Ricardo Melro expôs a discordância do DPE com os demais órgãos em relação às regiões ilhadas, que defendem uma solução híbrida englobando tanto o realocação voluntária dos moradores quanto um projeto de revitalização da região com a recomposição de serviços básicos.

— Fizemos uma ação [civil pública] [para que] aquelas pessoas cadastradas pelo município e que quisessem sair da região saíssem. Mas não um programa que a Braskem construiu e a gente entende que tem falhas naquele programa e falhas que não foram aquiecidas por nenhuma instituição, diga-se de passagem. Que levasse em consideração o dano moral a individualização de cada cidadão.

Responsabilização

Para os senadores da CPI, os depoimentos e informações até aqui colhidos indicam que, além da responsabilização da empresa sobre a tragédia, houve também omissão por parte do sistema de mineração, das instituições públicas e dos órgãos fiscalizadores.

Rodrigo Cunha afirmou que a mineradora, até hoje, evidencia a “resistência” em reconhecer a responsabilização e em cumprir as obrigações que estavam previstas nos mapa de linhas de ações prioritárias que consistia em incluir no plano de compensação financeira as regiões de criatividade identificadas na área de risco.

— É visível, quem visitar o [bairro do] Bom Parto, vai verificar o quanto aquelas pessoas estão adoecidas e residindo em áreas com fissuras aparentes. Hoje estão na área de risco no mapa e a Braskem muda a interpretação jurídica.

Diego Alves reconheceu que a Braskem mudou a interpretação jurídica ao avaliar o mapa 5, deixando de fora do programa indenizatório para realocação regiões que visivelmente precisam ser realocadas. É o caso do Bom Parto. Ele disse que o Ministério Público ajuizou ação contra essa conduta.

— Infelizmente a Braskem mudou a interpretação que tinha sido dada no momento da homologação do segundo aditivo [do acordo do programa de compensação financeira] em que tanto os imóveis da criticidade 0.0, como da criatividade 0.1 poderiam ser contemplados com o programa de compensação financeira e resistiu quanto a inclusão desses novos imóveis no programa.

Royalties

Em outra frente, o presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM) disse que vai sugerir como ação do relatório, um projeto que destine parte dos royalties obtidos pela exploração de minério ao fortalecimento estrutural e profissional dos órgãos fiscalizadores. Na opinião do senador, é preciso garantir medidas preventivas para evitar que novos desastres aconteçam.

— O royalty é um recurso que não é dividido com os poderes, é do estado ou do município, todo, 100%. Mas parte desse recurso precisa ir para os órgãos fiscalizadores e para ter geólogos, tudo o que for necessário, e ter até dinheiro para pagar um estudo. E não a empresa pagar um estudo.

Na visão do defensor Ricardo Melro, o roteiro de fiscalização e tragédia ocorrido em Maceió é o mesmo dos desastres ocorridos em Mariana e Brumadinho (MG). Cenários em que, na opinião dele, o setor de mineração é regulado pelas próprias empresas, diante da omissão da Agência Nacional de Mineração (ANM).

— Como é que se autoriza o exercício de uma atividade econômica de risco para os possíveis atingidos, numa área totalmente urbanizada, em que a defesa civil municipal é o órgão responsável por prevenir danos, não está estruturado? Só tem uma pessoa. Como essa pessoa poderá garantir a integridade física da população se houver um problema? Então os órgãos ambientais, a partir do momento que licenciam, deveriam proteger a comunidade para exigir das empresas que por si só desempenham atividade de risco, estruturar esses órgãos de defesa locais. A ANM precisa ser estruturada materialmente e com pessoal capacitado para atender — disse Melro, ao criticar o fato de que os estudos técnicos que viabilizam as licenças de extração são produzidos por empresas contratadas pelas próprias mineradoras.

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