A escolha de outubro para ser o Mês de Conscientização da Síndrome de Rett é essencial para se discutir questões como o diagnóstico tardio desse distúrbio, a falta de atendimento integral e especializado, a baixa capacitação de profissionais de saúde e educação no que se refere às doenças raras, a falta de apoio aos cuidadores e a baixa prioridade dada pelo governo.
É o que defenderam especialistas e familiares de pessoas portadoras da síndrome durante audiência pública na Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado nesta sexta-feira (3). Eles apoiaram por unanimidade o projeto de lei que institui esse mês: o PL 3.669/2023 , do senador Romário (PL-RJ).
A síndrome de rett é um distúrbio de desenvolvimento que, segundo especialistas, tem um "impacto devastador" na vida do paciente, já que impossibilita ações simples — tornando difíceis atos como a fala, a ingestão de alimentos e o uso das mãos. Os portadores podem desenvolver ao longo da vida outros problemas de saúde, como epilepsia e osteoporose. Os conhecimentos médicos sobre a síndrome, que acomete majoritariamente meninas (mais de 90% dos casos) e tem base genética, ainda são recentes.
O debate sobre a instituição de um mês de conscientização foi provocado pela senadora Jussara Lima (PSD-PI), que presidiu a audiência. Ela espera que o PL 3.669/2023 resulte em maior visibilidade para a síndrome e leve à formação de uma rede de apoio e conhecimento — tornando-se, assim, um dos alicerces de uma política pública para as doenças raras.
— Segundo se sabe até aqui, a síndrome de rett inicialmente não gera problemas cognitivos e motores. Assim, o paciente parece ter um desenvolvimento aparentemente normal. Porém, com o tempo, há uma regressão, e habilidades como a fala e o uso intencional das mãos se perdem. Surgem movimentos repetitivos, dificuldades motoras, convulsões e outros desafios que impactam profundamente a vida dos pacientes, de seus familiares e de seus cuidadores. Ressalto que é uma causa de nós mulheres também, porque os dados demonstram que a síndrome de rett afeta muito mais as meninas — ressaltou a senadora.
Diretor do comitê científico da Associação Brasileira de Síndrome de Rett (Abre-te), o médico Fernando Regla Vargas explicou que, apesar de ser razoavelmente recente a difusão de conhecimentos sobre essa síndrome, o número de pessoas diagnosticadas está aumentando. Ele enfatizou que o diagnóstico precoce é fundamental para que seja oferecido o tratamento adequado.
Representante do Ministério da Saúde, Natan Monsores Sá informou que o Sistema Único de Saúde (SUS) tem feito, desde setembro, exames de sequenciamento molecular para diagnóstico de síndromes como a da rett.
Fernando Regla Vargas citou a estimativa de que nasce no país uma criança com a síndrome de rett a cada três a cinco dias. Para garantir a sobrevida da criança, é necessário amplo acompanhamento do paciente por família e especialistas.
— A criação do Mês de Conscientização sobre a Síndrome de Rett será um divisor de águas para a conscientização sobre a doença, para a difusão do conhecimento, para a melhor atenção à saúde, para a possibilidade de desenvolvimento de pesquisa sobre essa doença no Brasil, ou seja, [é um divisor de águas] sobre vários aspectos. Também é um momento para avaliar e propor estratégias para mitigar o impacto econômico e emocional para todas os pacientes, os familiares e os profissionais de saúde envolvidos no cuidado dessas pessoas — afirmou Vargas.
Segundo a vice-presidente da Federação Brasileira de Associações de Doenças Raras (Febrararas), Lauda Santos, o Brasil tem hoje 13 milhões de pessoas convivendo com algum tipo de doença rara. Ela enfatizou que grande parte desses pacientes tiveram diagnósticos tardios e enfrentam dificuldades para ter acesso ao tratamento, além da pequena presença do assunto nas agendas públicas.
— Há a dificuldade da invisibilidade. No caso da síndrome de rett, no Brasil, ainda não há tratamento registrado na Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária] nem protocolo clínico de diretrizes terapêuticas, o que é um fator complicador. Nós enfrentamos o diagnóstico tardio e a falta de atendimento integral especializado, porque, quando nós falamos de doença rara, precisamos de um atendimento e de um acolhimento nos hospitais com vários profissionais de saúde. Não adianta somente o médico fechar o diagnóstico; é necessário muito mais — declarou ela.
Lauda Santos destacou que a família bem assistida consegue atender melhor a pessoa que tem o diagnóstico. Ela também defendeu o fortalecimento da legislação que trata do assunto — inclusive para facilitar o acesso aos medicamentos — e a garantia de um orçamento adequado.
Natan Monsores de Sá, do Ministério da Saúde, reconheceu que ainda há muito a ser feito. Mas ele salientou que há esforços coordenados para melhorar a operacionalização da Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras. Sá é o coordenador-geral de Doenças Raras desse ministério.
— Hoje já temos um volume expressivo de serviços que atendem pessoas com doenças raras, mas certamente esse número, de 37 serviços, está muito longe daquilo que é necessário para atender todas as necessidades de quem é afetado, das famílias que convivem com [pacientes de] doenças raras no Brasil — disse ele.
Sá também destacou que em breve deve ser implantado um registro brasileiro de pessoas com doenças raras.
A médica Letícia Sampaio defendeu uma rede estruturada de atenção aos pacientes com a síndrome de rett e aos seus familiares. Ela trabalha no Instituto da Criança e do Adolescente do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.
— Essas campanhas de conscientização são ferramentas poderosas que podem fortalecer as redes de apoio, reduzir o estigma sobre a doença, e, sobretudo, impulsionar os avanços científicos e terapêuticos. Então, no caso da síndrome de rett, que é uma doença rara, isso é um chamado urgente — ressaltou ela.
Chefe do Serviço de Genética Médica do Hospital de Clinicas de Porto Alegre, Têmis Mara Félix também salientou que o projeto de Romário pode trazer maior visibilidade para a síndrome de rett, resultando em “maior educação aos profissionais de saúde e também àqueles outros profissionais que atuam em equipes multidisciplinares de atendimento a esses indivíduos”.
— Existem muitas pesquisas em relação à síndrome de rett, mas sabemos que é uma condição que não tem cura. Existe um medicamento que já está aprovado nos Estados Unidos e no Canadá. Mas, aqui no Brasil, nós ainda não temos nenhum medicamento. O que nós precisamos, realmente, é fazer o reconhecimento precoce e oferecer um atendimento multidisciplinar para esses indivíduos. O manejo adequado dos sinais e sintomas, um grande manejo multidisciplinar, é o que vai dar melhor qualidade de vida a esses indivíduos e a suas famílias.
Simone Barros de Oliveira, que é mãe de Letícia, portadora da síndrome de rett, apoiou o projeto e defendeu as mães que, “mesmo exaustas, lutam por visibilidade, respeito e dignidade”.
— Instituir o Mês de Conscientização da Síndrome de Rett significa tirar muitas famílias da invisibilidade frente ao poder público federal. Significa abrir espaço para campanhas oficiais de diagnóstico precoce, inclusão escolar, formação de profissionais de saúde e educação, apoio às famílias e incentivo às pesquisas. Significa criar uma base para a aprovação de políticas públicas reais. A aprovação desse projeto de lei é mais do que um símbolo; é um ato de justiça, de reconhecimento, de humanidade. É dar voz a quem não pode falar e apoio a quem cuida.
Jaqueline Zeferino compartilhou as dificuldades que enfrenta — inclusive a falta de apoio em seu trabalho — para cuidar da irmã, considerada a pessoa mais longeva com a síndrome de rett no Brasil: Adriana, de 53 anos. Jaqueline também salientou que não há equipes médicas especializadas para atender adultos portadores da síndrome.
Mãe de uma menina com síndrome de rett, Lidiane de Souza afirmou que, devido à falta de profissionais especializados, ela e sua família estão se capacitando para cuidar da criança. Formada em matemática, Lidiane fez pós-graduação em fisioterapia e doenças raras para atender melhor a filha.
— A qualidade de vida e a longevidade de pessoas com a síndrome de rett e outras doenças raras vêm do tratamento adequado, de terapias contínuas. Tudo isso vai ser contemplado a partir daqui [do projeto]. Temos certeza de que vamos alcançar mais pessoas e mais direitos [com a campanha de conscientização] — declarou Lidiane.
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